O Assassinato de Victor Belmonte - S01E01 - Indolor (Estreia)



 CAPÍTULO 01:
"INDOLOR"

ESCRITO POR:
KAIO GOMEZ

(Inspirada na obra de AGATHA CHRISTIE)




FADE IN:

CENA 1. INTERIOR. MANSÃO FERRAZ. SALA NOITE

Abre-se com PLANO DETALHE em um pequeno frasco tampado, que contém um líquido azulado, sobre uma mesa de vidro. CAM desfoca e vai fazendo trajetória pela mesa passando por um estojo de lápis e canetas, papéis empilhados até chegar a um notebook, que obtém um pen-drive inserido.

CLOSE na tela do notebook, onde vemos o rosto de uma mulher abatida e de olhos inchados de choro, MARINA, 42 anos, cabelos negros, vestida em uma camisola de seda.  A webcam está ligada gravando a confissão da mulher.

MARINA (chorando) Eu sinto muito, Victor. Muitíssimo. Não queria que as coisas terminassem desse modo, mas foi preciso. Foi a única maneira que encontrei pra escapar desse labirinto infernal... Descobriram tudo! Tudo! Desde o começo do nosso relacionamento às escondidas até à morte do Elias, a qual eu ocasionei...

FUSÃO PARA:

INÍCIO DE FLASHBACK:

CENA 2. INTERIOR. MANSÃO FERRAZ. QUARTO DE MARINA NOITE

LEGENDA: "Três meses atrás..."

Quarto de casal luxuoso. Marina abre a porta e ENTRA. Em CORTES  DESCONTÍNUOS, ela tira a roupa simples em que se encontra vestida, veste um vestido deslumbrante, põe seus brincos de diamante, pega sua bolsa de lado e SAI, fechando a porta.

CORTA PARA:

CENA 3. EXTERIOR. FACHADA DA MANSÃO FERRAZ NOITE

Marina abre os portões, SAI, os fecha e, em seguida, atravessa a rua em direção ao seu carro. Ela ENTRA e parte.

MARINA (V. O.)    Nós fizemos tudo tão sorrateiramente, não deixamos pistas sobre o nosso caso. Ele nunca poderia ter descoberto, afinal, naquele fim de semana, ele havia viajado para São Paulo, disse que tinha negócios pra fazer na capital.

CAM desfoca do veículo da mulher e vai buscar outro, BMW preto, onde vemos, pelo retrovisor, ELIAS, 45 anos, enraivecido e com as mão no volante, decidido, que parte atrás da esposa.

CORTA PARA:

CENA 4. INTERIOR. QUARTO DE MOTEL NOITE

Quarto organizado, luxuoso. VICTOR, 40 anos, cabelos negros, bem vestido e de aparência respeitável, está sentado na beirada da cama fumando seu charuto à espera de Marina.

BATEM na porta. Ele se levanta, animado e a abre. É Marina, sensual e decidida.

MARINA Desculpe por te deixar esperar. Levei um tempo pra achar o vestido ideal.

VICTOR (olhando-a de cima a baixo) Valeu cada segundo.

Ele a puxa para dentro e os dois caem na cama aos beijos. Transam.

MARINA (V. O.) Além de tudo, o mais certo em nossas vidas foi que, sim, eu te amei. Eu te amo. Demais. Como nunca amei outro homem, você sempre me fez feliz, sempre...

FUSÃO PARA:

CENA 5. EXTERIOR. FACHADA DO MOTEL NOITE

POV DE ELIAS
Vemos a pouca movimentação na frente do motel luxuoso e discreto. Ali, no meio dos vários carros que se encontram estacionados, está o de Victor e o de Marina.

DE VOLTA À CENA
CAM desfoca do ponto de vista de Elias e dá um CLOSE em seu rosto dentro do carro estacionado. Ele tenta conter o ódio, olha firme para o volante, engole todo o ressentimento, pisa o pé no freio e vai embora.

MARINA (V. O.) Naquele sonho em que eu estava, eu jamais poderia imaginar o que viria à frente...

CORTA PARA:

CENA 6. INTERIOR. MANSÃO FERRAZ. SALA NOITE

Sala organizada e bem zelada. Em CORTES DESCONTÍNUOS, Elias ENTRA no apartamento, vai até seu quarto, pega uma arma em seu cofre e volta à sala.

Ele vai até à mesa de bebidas, que fica ao lado da janela, pega uma taça, enche de uísque e bebe, sempre segurando a arma com a mão esquerda.

MARINA (V. O.) Ele estava desorientado. Descobrir uma traição não é pra qualquer um, há pessoas que perdem a cabeça e eu já sabia que, quando Elias descobrisse, o pior aconteceria, porque eu o conheço. Eu conheço seu temperamento, seu mau humor, sua impaciência. Não importa, ela faria qualquer coisa pra arrancar o mal pela raiz.

CORTA PARA o relógio, que marca 01:22 da madrugada.

CAM entra em PANORÂMICA até focar em Elias, sentado no sofá, possesso com a arma ao seu lado. É neste exato momento que Marina ENTRA, já tomando um susto.

MARINA Elias?! O que você está fazendo aqui? Você... Que horas você chegou? Você chegou há muito tempo?

ELIAS (sem olhar para ela) Não, porque primeiramente eu nunca estive fora. Eu estava em um hotel, esperando.

Ela se aproxima dele, um pouco desconfiada.

MARINA Esperando? Esperando o quê?

ELIAS A traição!

Marina reage assustada. Elias olha para ela.

ELIAS Que eu sempre desconfiava, que eu sempre tive certeza. Essa noite eu te segui e, infelizmente, eu descobri que, desde sempre, eu estava certo. Meu Deus!

Lentamente, com a arma em punho, ele se levanta. Marina percebe a presença do objeto e se desespera.

MARINA Não!

ELIAS Deitando com outro homem. Pior. Com meu amigo, Victor.

À medida que ele se aproxima, ela se afasta.

MARINA (nervosa) Pelo amor de Deus, Elias, não faça uma barbaridade. Meça as consequências antes.

ELIAS Isso, suplica! Pede pra viver! Pede, porque agora você está nas minhas mãos. Teu destino agora, sua vadia, sou eu quem decido. Miserável! Te amei, sempre. Amargamente, mesmo sabendo que nunca fui correspondido. Por quê? Por que você seguiu até aqui? Por que não parou com tudo isso antes?

MARINA Me ouve. Se você prosseguir com isso, será fatal. Pensa no homem que você é, pensa na empresa que você construiu.

ELIAS Bosta de empresa, merda de homem, que não foi capaz de enxergar uma traição diante de seus olhos!

MARINA Não diga isso, querido. É um equívoco.

Ela tenta se aproximar, porém ele lhe dá uma bofetada, que a faz cair no chão.

ELIAS Não se aproxime. Não me diga nada, porque da última vez que ouvi algo seu... Me tornei o inútil que sou hoje.

Ela chora.

POV DE MARINA
Vemos Elias, trêmulo, com a arma em sua direção.

DE VOLTA À CENA
Marina se desespera.

ELIAS Atira!

MARINA O quê? Não estou entendendo, você...

ELIAS (grita) Atira! Tenha coragem! Se levanta, empunha essa arma e me mata! Eu sei que você é mulher o suficiente pra limpar a sujeira depois, eu sei que você não vai se preocupar. Anda, atira! Ou eu atiro. Só que se eu fizer isso, não vou pensar duas vezes, você não vai ter escolha.

CLOSE no rosto incrédulo de Marina.

MARINA Não... Não, eu não vou precisar fazer isso. Aliás, você também não. Nenhum de nós. Pra que passar por mais dor, sendo que nós podemos finalizar com tudo isso de um modo mais indolor?

Abruptamente, Elias começa a ficar pálido. Aos poucos, ele larga a arma. Em SLOW MOTION, ele cai de joelhos no chão se contorcendo, até bater a cabeça no piso e morrer.

Marina se arrasta até o corpo morto, enquanto chora.

MARINA (sussurra) Eu te amo... Querido... Eu te amo.

ÂNGULO ALTO para mostrar Marina deitada sobre o peito de Elias. Por fim, segue por um DOLLY BACK lento, enquanto ouve-se a seguinte narração.

MARINA (V. O.) Eu já sabia que aquela noite iria terminar daquele modo. Calculei tudo antes. Fiquei até surpresa com o fato de tudo acontecer como eu imaginei...

CORTA PARA:

CENA 7. INTERIOR. MANSÃO. SALA DIA

LEGENDA: "Horas antes..."

Marina, vestida de outro modo, desce as escadas com sua bolsa de lado.

MARINA (V. O.) Eu sai naquela mesma manhã e deixei tudo perfeitamente em seus devidos lugares.

Ela abre a porta e SAI.

CORTA PARA:

CENA 8. EXTERIOR. FACHADA DA MANSÃO DIA

Marina vai em direção ao seu carro, que está no outro lado da rua. Ela entra e parte.

CAM vai buscar um táxi parado à distância. Do interior dele, Elias sai, decidido e vai em direção à sua casa.

CORTA PARA:

CENA 9. INTERIOR. MANSÃO. SALA DIA

Elias ENTRA e olha em volta por alguns segundos. Depois, sobe as escadas e vai para o...

QUARTO DE CASAL, onde abre as portas do guarda-roupas de Marina, vasculha sua bolsa e retira seu celular.

MARINA (V. O.) Ele veio aqui em casa naquela manhã assim que eu sai. Ele viu nossas mensagens. Ele nunca esteve fora. Mentiu pra me descobrir.

Elias analisa as mensagens do celular. PLANO DETALHE nos olhos raivosos dele, que, assim que termina, põe o telemóvel no mesmo lugar e fecha o guarda-roupas. Por fim, volta para a...

SALA, onde desce, vagarosamente, as escadas e para ao lado da mesa de bebidas, que possui uma garrafa de uísque e um copo ao lado. Ele enche o copo e trata de beber, descontando sua raiva e explodindo ao jogar o copo com força na mesa, provocando uma leve rachadura.

MARINA (V. O.) Ele viu suas mensagens marcando para logo mais à noite. Descontou na bebida após a descoberta, no uísque, sua bebida favorita.

CORTA PARA:

CENA 10. INTERIOR. QUARTO DE CASAL. MANSÃO DIA

POV DE MARINA
Marina se aproxima do guarda-roupas e o abre, relevando seu interior. Ela procura por seu celular.

DE VOLTA À CENA
Marina checa o aparelho.

MARINA (V. O.) Elias não se preocupou em limpar as evidências. Estava tudo ali. Desde o perfume único e marcante...

Marina SAI e vai para a...

SALA, onde analisa, com clareza, a mesa de bebidas: o copo, a rachadura...

MARINA (V. O.) ... Ao ódio inevitável.

CLOSE em Marina, angustiada com o copo nas mãos.

CORTA PARA:

CENA 11. INTERIOR. MANSÃO. SALA NOITE

LEGENDA: "Horas depois..."

Em CONTINUAÇÃO À CENA 2, Marina desce as escadas vestida impecavelmente com sua bolsa de lado e seus brincos de diamante. Ela para ao lado da mesa de bebidas e saca, da bolsa, um pequeno frasco de líquido azul e dispensa um pouco do líquido na garrafa de uísque.

MARINA (V. O.) Sabia perfeitamente que ele iria iria me seguir, me esperaria bastante furioso ou, como ocorreu, ficaria em casa com uma arma em punhos. Iria me matar, não importaria. Mas com certeza não faria nenhuma barbaridade de garganta seca... Ele nunca faz.

Ela SAI e fecha a porta. CAM vai buscar a mesa de bebidas e, em DOLLY IN, se aproxima do objeto.

CORTA PARA:

CENA 12. INTERIOR. MANSÃO. COZINHA NOITE

Em PLANO ALTO ofuscado pela hélice de um ventilador de teto, vemos Marina entrar trazendo o corpo de Elias pelos braços. Ela possui luvas pretas nas mãos.

MARINA (V. O.) Meu plano poderia dar errado, mas não. O pior ficou para o final, quando tive que limpar a sujeira. Eu poderia ter atirado no Elias, mas iria presa, de qualquer forma. E também não suportaria fazer isso com o homem que vivi ao lado nos últimos 12 anos. Optei pela sorte. Mas tive que fazer de tudo para reverter a cena e fazer com que parecesse um suicídio e não um homicídio.

Ela vai até o armário, abre as gavetas e retira um pedaço de corda. Ela pega uma cadeira frente à mesa e a posiciona abaixo do ventilador. Marina vai até a tomada em que o liga e trata de desligá-lo. Por fim, sobe na cadeira e finaliza amarrando a corda no ventilador.

Marina SAI por alguns instantes e volta trazendo a garrafa de uísque e o copo nas mãos. Ela põe a garrafa deitada ao lado do corpo, estrategicamente, deixando o líquido derramar devagar. Finaliza ao quebrar o copo e varrendo os cacos para perto da garrafa.

MARINA (V. O.) Era um plano surreal. Só precisava dar certo.

Ela abre as gavetas outra vez e retira outra corda, se aproximando do corpo, na intenção de provocá-lo hematomas.

CORTA PARA:

CENA 13. INTERIOR. MANSÃO. SALA NOITE

O local está cheio de policiais. Dois enfermeiros levam o corpo de Elias numa maca para fora da casa. Marina está sentada, vestida com uma roupa mais caseira, no sofá, ao lado de um policial, que a interroga. Ela chora.

MARINA Quando eu cheguei, vi o corpo da mesma forma como vocês o encontraram. Não demorou muito pra eu ligar pra polícia. Meu Deus! Eu nem acredito! Como isso foi acontecer? Como?

POLICIAL Eu peço calma, senhora. Desculpe. Você vai superar isso.

MARINA Mas o que aconteceu? Me diz! Por favor! O que aconteceu?

POLICIAL Bom, aparentemente, seu marido cometeu suicídio. Ele bebeu, tentou se enforcar no ventilador da cozinha, só que não conseguiu... Ou não amarrou direito, pois, ao que parece, ele só fez a teoria de tudo, porém falhou na prática. Há marcas profundas em seu pescoço, devido a corda, claro. Ele demonstrava um comportamento diferente?

MARINA Totalmente. O fato de estarmos entrando em falência estava o incomodando, era perceptível.

POLICIAL Bom, então acho que talvez seja isso.

CLOSE em Marina, que chora aliviada.

CORTA PARA:

FIM DO FLASHBACK

Em CONTINUAÇÃO À CENA 1, em DOLLY IN, nos distanciamos da imagem chorosa na tela e, aos poucos, revela-se a mulher sentada à frente do notebook.

MARINA (chora) Eu fiz tudo isso por amor. Saiba, Victor, que tudo, tudo foi por amor. Mas descobriram tudo! Eu não sei como, mas... Comecei a receber ameaças, me tiraram boa parte do dinheiro. Eu não pude suportar a pressão. Não foi nem pelo assasinato, mas sim por você...

CORTA PARA:

CENA 14. INTERIOR. AGÊNCIA DE CORREIOS DIA

Marina está frente à uma mesa de atendimento. Ela entrega o pen-drive à atendente, que o põe em uma pequena caixa.

MARINA (V. O.) Você irá receber esse pen-drive em até 24 horas após o envio...

CORTA PARA:

CENA 15. INTERIOR. MANSÃO. COZINHA NOITE

POV DE MARINA
Vemos uma garrafa de vinho e uma taça ao lado, em cima da mesa.

DE VOLTA À CENA
Marina, vestida em um roupão, enche a taça com o líquido e retira do bolso o frasco venenoso, que o põe na bebida e, por fim, a bebe, enquanto ouvimos a narração.

MARINA (V. O.) Espero que me entenda. Essa foi a única maneira de fugir disso tudo. Eu sei que não é a ideia mais inteligente, mas era a única que estava ao meu alcance...

CORTA PARA:

CENA 16. INTERIOR. MANSÃO. BANHEIRO NOITE

POV DE MARINA
Vemos uma banheira repleta de espumas, pronta para se banhar.

DE VOLTA À CENA
Marina tira o roupão e, graciosamente, entra na banheira ao fechar os olhos.

MARINA (V. O.) Victor, não confie tanto nas pessoas. Elas são cruéis. É um pouco irônico eu dizer isso após o que fiz, mas acredite. Nem todo mundo é dócil, amável e livre de culpa. Todos têm culpa de alguma coisa. Agora... te digo quem me chantageou durante esses dias. Agora te digo quem é a pessoa por trás disso tudo. Deixo tudo nas suas mãos, espero que resolva...

CLOSE no rosto de Marina, com a água a bater seu queixo.

MARINA (V. O.) Eu te amo, Victor Belmonte... Eu te amo.

PLANO ALTO para mostrar Marina se debatendo até morrer e, placidamente, afundar na banheira.

FADE OUT

ABERTURA

FADE IN:

CENA 17. EXTERIOR. CEMITÉRIO DIA

O funeral de Marina prossegue. Várias pessoas se fazem presentes, todas de preto, alguns de óculos escuros. Ninguém chora. O caixão começa a ser enterrado.

CAM vai buscar Victor, triste e ainda abalado, ao lado da sobrinha, MELISSA, 28 anos, cabelos loiros, bonita e rosto angelical.

Depois, busca MARTA, 58 anos, mãe de Melissa, olhar frio, cabelos negros e curtos, ao lado de MARCELO, 32 anos, cabelos negros e rosto rústico, mais atrás.

Por fim, paramos em VLADIMIR, 32 anos, afilhado de Victor, motorista, cabelos castanhos, olhos cor de mel e rosto bonito, que observa o quarteto à sua frente.

ARMANI, 62 anos, médico famoso, cabelos grisalhos e estatura média, se aproxima dele.

ARMANI Estou atrasado, não é mesmo?

VLADIMIR (com toda a discrição que pode) Ora! Doutor Abreu! Que prazer em ver o senhor! Bom, já está no fim.

ARMANI Eu bem que desconfiei.

Instantes em silêncio. Os dois prosseguem a conversa sem contato visual, olham apenas para o enterro.

VLADIMIR Era uma mulher incrível, não?

ARMANI Fantástica! Eu, que a vi daquela forma em sua banheira, jamais poderia ligar aquela mulher cheia de vida com essa, que hoje é enterrada.

VLADIMIR Meu Deus! O senhor fez a autópsia, não?

ARMANI Eu mesmo. Envenenamento.

VLADIMIR Deveria ter razões sérias pra chegar aonde chegou.

ARMANI Isso é tão chocante... Quando paramos pra analisar e ver bem os detalhes de perto... O que leva, Deus, uma pessoa a fazer tamanha barbaridade? É necessário estar imensamente amargurado com a vida pra acabar com ela.

Victor e Melissa se aproximam dos dois.

VICTOR Armani?

ARMANI Victor, meu querido amigo!

Os dois se abraçam.

ARMANI Acredito que você esteja chocado, não?

VICTOR Totalmente. Marina era bem próxima à minha família. Seu marido era meu melhor amigo.

ARMANI Posso imaginar.

VICTOR Armani... Poderia ir comigo? Por favor, eu te levo até em casa. Quero ter uns minutos a sós com você.

ARMANI Claro, claro.

Os dois partem juntos. Vladimir lança um olhar para Melissa, que devolve, mas logo desvia para sua mãe e Marcelo, que se aproximam.

MARCELO Vamos?

MELISSA Sim.

MARTA Melissa, querida, seu tio estava desesperado, não?

MELISSA Muito. Eu pude sentir. Ele não largou minha mãe um só segundo!

MARCELO (enciumado) Não largou sua mão?

MELISSA Não, normal. Afinal, ele estava precisando de uma pessoa nesse momento.  Recentemente, ele perdeu o melhor amigo, agora a mulher do melhor amigo... Meu tio só queria alguém como base, Vicente seria perfeito pra isso, mas parece não se preocupar com o pai.

MARTA Vicente é meu sobrinho, eu o considero, claro, mas só porque não é filho legítimo de Victor não deveria faltar esse momento. Jovens rebeldes!

MELISSA Meu tio e ele tiveram uma discussão esse fim de semana, acho que isso resultou nesse distanciamento.

VLADIMIR Bom, vamos então?

MELISSA Claro.

Marcelo, delicadamente, segura as mãos de Melissa.

MARCELO Melissa, se não for incômodo, pode vir comigo?

MARTA Bobagem da sua parte ter trazido o carro, Marcelo. Poderíamos ter vindo os três com o Vladimir.

MARCELO Bom, é que... Com a tensa situação, eu decidi vir sozinho...

VLADIMIR (corta) E, creio eu, não irá se preocupar em voltar sozinho também.

MARCELO Vladimir, eu não te perguntei.../

MELISSA (corta, tentando aliviar a situação) Bom, mãe, vai com o motorista. Eu vou com o Marcelo. Tudo bem?

MARTA Não crio caso com isso.

Melissa olha para Vladimir, tentando confortá-lo.

MELISSA (P/VLADMIR) Tudo bem?

VLADIMIR Perfeitamente.

MARCELO Então vamos.

Marcelo, sem cerimônia, entrelaça seu braço no de Melissa e juntos vão embora.

MARTA Vamos, Vladimir.

Vladimir tenta disfarçar o ciúmes e segue com Marta.

CORTA PARA:

CENA 18. INTERIOR. CARRO DE VICTOR DIA

Carro em movimento. Victor no volante. Armani, no banco ao lado.

VICTOR Você sabe que você é meu melhor amigo, não é, Armani?

ARMANI Sim. Guardo com maestria o dia em que nos conhecemos no Hospital São Bartolomeu.

VICTOR Você foi um ótimo professor pro Marcelo. Eu agradeço.

ARMANI Imagina, o garoto é que tem talento, que aliás você investiu, como se fosse seu filho e não afilhado.

VICTOR Marcelo ali é um orgulho pra mim. É o tipo de filho que eu sempre quis: cuidadoso, esforçado, inteligente... Coisa que o Vicente jamais foi.

ARMANI Filhos são assim mesmo. Não é porque têm genética que têm que ser da forma como querem os pais... Bem, creio que a mãe dele queria o melhor pra ele. Afinal, onde está o jovem Vicente?

VICTOR Está enfiado por algum hotel aí. Se recusa a ficar na mansão.

ARMANI Pisou na bola na empresa?

VICTOR Começou bem como contador, mas aí, depois, desandou. Você sabe bem como ele é, nunca mudou. Começa empenhado, depois abandona tudo, sobe pra cabeça a bebedeira, festinhas de final de semana com os amigos, tudo isso atrapalha a desenvoltura de qualquer pessoa ao trabalhar.

ARMANI Bebedeira?

VICTOR Sim, mas moderada. Creio eu. Não de modo exagerado, não quero que ele termine como a mãe: morte por overdose. Não gosto de relembrar.

ARMANI Será que a razão pra essa má conduta talvez seja isso? A falta que a mãe faz? Porque a Cecília morreu e deixou o Vicente pra você criar mesmo ele não sendo seu filho de sangue.

VICTOR Acredito que não. Sempre amei ele como um filho de sangue, mesmo eu não tendo nenhum. Mas, enfim, nós tomamos um caminho paralelo à nossa conversa, não era isso... Bom, o que eu queria era te convidar pra um jantar essa noite na minha casa.

ARMANI Claro, irei com prazer.

VICTOR Por favor. E também.... quero te contar algumas coisas, algumas coisas que estão me deixando angustiado.

ARMANI Victor, somos amigos. Você sempre poderá confiar em mim. Como sempre confiou.

Os dois se olham e sorriem.

CORTA PARA:

CENA 19. INTERIOR. CASA DE ARMANI. SALA DIA

Casa de classe média. Caroline, 72 anos, irmã de Armani, cabelos grisalhos, óculos de grau, vestida em um vestido estampado, está sentada em uma cadeira de balanço a tricotar. Há uma cadeira vazia à sua frente. A janela está aberta, expondo o dia nublado e sombrio. Armani ENTRA.

ARMANI Boa tarde, querida Caroline.

Ele fecha a porta e, em seguida, dá um beijo na bochecha da irmã. Depois, SAI e vai para a...

COZINHA, onde vai até a mesa, que contém uma chaleira e pega uma xícara no armário, enchendo-a.

CAROLINE (O. S.) Como foi o funeral?

Ele bebe um gole para depois respondê-la.

ARMANI Cheguei quase no final. Não houve muita coisa pra ser visto.

Levando a xícara na mão, ele SAI da cozinha e volta para a...

SALA, onde se senta na cadeira vazia, olhando o dia nublado.

ARMANI Me estranha o fato de você não ter ido.

CAROLINE Não, odeio funerais. Só irei no meu mesmo.

Eles riem.

CAROLINE E a morta?

ARMANI O que tem? Ah, por favor, minha querida irmã, não vamos falar sobre esse assunto desagradável mais uma vez.

CAROLINE Não, foi só uma pergunta básica. Nada demais. Por quê? É tão incômodo assim pra você, senhor médico legista, que não se incomoda ao desovar um ser humano, mas se incomoda em dialogar com a própria irmã?

ARMANI Você é terrível! E, não, eu não desovo as pessoas! Eu só acho que incomoda.

CAROLINE Mais incômodo provocou Marina Ferraz quando estava viva.

ARMANI Do que está falando?

CAROLINE Simples. Que ela não era o que aparentava ser: astuta, decidida e forte. Era uma mulher cheia de mágoas e marcas, tenho certeza.

ARMANI Você não pode sair falando das pessoas as quais você não conhecia.

CAROLINE Ouvi comentários...

ARMANI Isso não é relevante.

CAROLINE Mas e daí? Já que está morta mesmo! Tenho medo dos vivos e não dos mortos.

Ele saboreia o chá e, em seguida, deduz.

ARMANI Bom, em minha posição de sempre, acredito que você queira me revelar algo. Estou certo?

CAROLINE   Depende da sua curiosidade.

ARMANI Conte logo!

CAROLINE Bom, você pode discordar comigo, afinal os fatos imperceptíveis são contra a medicina perceptível, então... Eu acho que Marina Ferraz matou o marido meses atrás.

Armani reage chocado, olha para Caroline, incrédulo.

ARMANI Do que você está falando?

CAROLINE Que Marina, com peso na consciência, se matou unicamente por isso: por ter matado o marido.

ARMANI Isso não tem coerência. De acordo com exames feitos, Elias Ferraz morreu de suicídio. Ele tentou se matar enforcado, mas viu que não tinha coragem e acabou se envenenando...

CAROLINE Isso que não tem coerência! Que absurdo! Se quero me matar, me mato apenas de um modo. Se fosse pra escolher, iria pelo modo indolor: envenenamento. A razão pro (faz aspas com os dedos) "suicídio" seria a falência da empresa dele. A razão pro suicídio de Marina também foi isso... Tem coerência? Ela viveu exatos três meses depois maravilhosamente bem pra vir se matar logo agora?! Tenha paciência!

ARMANI É a idade, Caroline. Acho que só o que te restou foi isso, ficar em casa tricotando, fantasiando histórias... Só que dessa vez você foi longe, retirou do baú algo que ocorreu há três meses atrás.

CAROLINE Idade uma pinoia, Armani! Estou melhor que você, obrigada. Sei bem do que falo.

ARMANI O que você fala não me interessa, não agora.

CAROLINE E se... tudo isso estiver ligado ao seu amigo, Victor?

ARMANI Lá vem você querendo enfiar o Victor nisso também! Eu é que não tenho paciência!

CAROLINE Escuta, seu desajeitado! Na semana passada, quando fui ao médico, vi o senhor Belmonte saindo de uma relojoaria com Marina, estavam felizes da vida.

Armani olha, curioso, para a irmã.

ARMANI O quê?

CAROLINE Você sabe que eu costumo ir ao doutor Mendes todas às sextas. E também sabe que, na frente do consultório dele, há uma relojoaria famosa.

ARMANI Sim, sei. Perfeitamente.

FUSÃO PARA:

INÍCIO DE FLASHBACK:

CENA 20. EXTERIOR. FACHADA DO CONSULTÓRIO DO DOUTOR MENDES DIA

Caroline sai do consultório e se prepara para atravessar a rua, quando seus olhos são atraídos por Victor e Marina, ambos felizes e com sacolas nas mãos saírem da relojoaria, aos beijos.

CORTA PARA:

FIM DO FLASHBACK

Em CONTINUAÇÃO À CENA 19, Armani fica chocado com o que ouve.

CAROLINE Eles podiam ter um caso de longa data. Para ficar com o Victor, Marina faria qualquer coisa, inclusive matar o marido.

ARMANI Meu Deus! Como... Mas amantes?

CAROLINE É o que todos dizem.

ARMANI Quem diz?

CAROLINE Todos. O carteiro, os vizinhos, o açougueiro, o homem do bar...

ARMANI Que, suponho eu, fazem parte da sua rodinha de fofocas, não?

CAROLINE Ora, Armani! Você, sempre engraçadinho, né? Por mais que ache incrível, é isso que penso.

ARMANI Bom... Isso tem um quê de coerência, mas chega a ser... Não sei nem te dizer o quê.

CAROLINE Querido, eu sei o que eu digo. Sou uma velha aposentada que não tem mais nada pra fazer na vida. Só o que me resta, como você diz, é ficar aqui analisando mais de perto histórias com lacunas feito essa e tentando achar respostas plausíveis pra alguns absurdos que passam despercebidos.

CLOSE no rosto incrédulo de Armani.

ARMANI Victor Belmonte e Marina Ferraz... Amantes?

FADE OUT


FIM DO EPISÓDIO 

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Por: Rafael Galvão