"Contra à Vontade"
FADE
IN:
CENA 1. INTERIOR.
EMPRESA DE VICTOR. CORREDOR — DIA
Abre-se
em PLANO DETALHE nos sapatos bem ilustrados de Victor, que anda freneticamente
até sua sala.
LUÍZA (O.S.) — Senhor Victor! Senhor Victor, espera!
ÂNGULO ABRE para revelar Victor,
formalmente vestido para mais um dia de trabalho, caminhando, enquanto vemos,
Luíza, 27 anos, secretária, vestida como o devido e com vários papéis nas mãos, atrás dele.
Victor
para e se vira para ela.
VICTOR
— Sim?
LUÍZA — É
o senhor Vicente, seu filho. Está lá
embaixo te esperando, quer falar com o senhor.
Victor
quase hesita, mas pensa bem.
VICTOR
— Ah, sim, claro... Bom, deixe ele
subir. Diga pra ele me encontrar em minha sala.
LUÍZA — Entendido, senhor Victor. Tenha um bom dia!
VICTOR
— Pra você também, Luíza.
Victor
volta-se em direção
à sua sala, porém CAM não o segue, fica em Luíza saindo de cena.
CORTA
PARA:
CENA 2. INTERIOR.
EMPRESA. SALA DE VICTOR — DIA
CLOSE
no rosto de Vicente, 30 anos, cabelos negros, forte, bonito e vestido
informalmente, algo mais caseiro. Ele está sentado frente à mesa de Victor.
VICENTE
— É um erro vir aqui, pai, eu sei. Depois da discussão que tivemos... Bom, eu só queria... Só queria te pedir perdão. Eu não queria desapontá-lo daquele modo.
CAM
faz PANORÂMICA
pela sala, revelando um local luxuoso e bem decorado, até pararmos em Victor, sentado atrás de sua mesa.
VICTOR
— Desapontar? Não só isso, mas como envergonhar. Eu te dei uma oportunidade pra
trabalhar na minha empresa com aquilo que te dizia respeito profissionalmente.
Dispensei dez, não
um, mas sim dez pessoas que mandaram seus currículos pra Belmonte Bebidas e esperaram
por resposta. Eu escolhi você,
esperei mais de você
e, no entanto, você
me decepcionou, largou o cargo sem mais nem menos, eu... (respira) Sabe o que
eu tive vontade de fazer? Te dar uma surra. Era isso que eu deveria ter feito.
Meu Deus, Vicente! Você
não se importou com nada, nem comigo ou
com o futuro da empresa, como íamos
nos desenrolar naquela semana. Você era contador, fazia parte disso aqui de uma maneira
importante e significativa.
VICENTE
— Me desculpa, eu sei que eu errei. E
sei que o que eu fiz foi demais. Mas, pai, não é
disso que eu quero falar, não
é sobre você ou sua empresa. Eu compreendo, eu sou
um péssimo filho, nada daquilo que você almejava, mas me ouve...
VICTOR
(corta) — Você deveria ter vergonha. Imagina, um homem de quase 30 anos de
idade pedindo perdão
ao pai por suas atitudes abruptas e precipitadas.
VICENTE
— É só
isso que eu tenho pra oferecer sobre eu ter deixado o cargo cedo demais. Foi um
erro...
VICTOR
(corta) — Um erro? Você enche a cara em um final de semana, na
segunda-feira pede demissão
sem mais nem menos... Um erro? Só um? Você
não mediu as consequências. E isso não é vergonhoso pra você, mas sim pra mim, que ouço sermões
dos outros sobre você
e seu mau comportamento. Sabe, faz parecer que eu falhei miseravelmente ao te
criar após sua mãe ter nos deixado.
VICENTE
— A culpa não é sua, tudo bem? Não é
sua, se eu quero ter controle sobre mim, decidir minhas próprias escolhas... Eu fiz isso menos por
te fazer passar vergonha e mais por provar a você que, sim, eu posso tomar minhas próprias atitudes.
VICTOR
— Atitudes idiotas. asneiras sem
tamanho. Você não sabe de nada!
VICENTE
(altera a voz) — Sei! E foi justamente disso que vim
falar com você, sobre meu suposto casamento com a
Melissa!
VICTOR
— O que tem minha sobrinha?
VICENTE
— Você quer que a gente se case, mas não dá. Não
dá. Eu não a amo, isso é estranho. É estranho ver como você nos joga um pra cima do outro todo o
tempo.
VICTOR
— Meu filho, se você se casar com a Melissa será seu primeiro e mais inteligente acerto
na vida. Ela é uma ótima mulher, exemplar. Trabalha com
vontade e faz conferências
nessa empresa como ninguém.
VICENTE
— Só que eu não
quero, pai!
VICTOR
— Ela vai te ensinar a ser um (altera)
homem, coisa que você
não é por completo! Não é,
porque homem de verdade se dá
o valor, você não!
VICENTE
— Eu acho que você fez planos pra um filho perfeito e
ficou constrangido com o resultado. Desculpa, mas nem seu filho eu sou de
verdade.
VICTOR
— Que história é essa agora? Eu te criei, eu te amo como um verdadeiro
filho.
VICENTE
— Não, não.
Você me tem basicamente como um fantoche.
VICTOR
— Ah, não venha com essa agora, Vicente. Agora
mais isso? Você... você... é gay?
VICENTE
— Claro que não!
VICTOR
— Menos mau. Então por que não quer se casar com a Melissa, já que o sangue evita (faz aspas com os
dedos) qualquer pecado, afinal eles não são
da mesma fonte.
VICENTE
— Eu... só quero fazer as minhas escolhas. Eu
gosto da Melissa, muito. Mas é
como uma irmã. Apenas. E, mesmo que você não acredite, eu... eu... Pai, eu não sei como te dizer isso, de início pode parecer chocante, mas o fato é que nós não mandamos no coração. É
bizarro, pra você,
eu acho, mas pra mim, não...
VICTOR
— O que você quer me contar, Vicente? Põe pra fora.
VICENTE
— Eu... Pai... Eu...
Ele
desiste de falar assim que observa uma pasta de papéis escrito "PREPARATÓRIO DE CASAMENTO" sobre a mesa.
Ele tenta pegar, mas Victor não
permite.
VICTOR
— Vai embora. Depois nós conversamos.
Vicente,
incrédulo, olha para o pai.
VICENTE
— Você... ia preparar tudo sem eu saber?
VICTOR
— Você já
sabe disso desde o início.
VICENTE
— E, mesmo assim, continua fazendo
coisas sem minha permissão,
pai... Me diz, quais são
seus objetivos com tudo isso. Me conta, me diz, porque isso já está ultrapassando os limites e está se tornado assustador.
VICTOR
— Você escolheu uma péssima hora pra dialogar comigo sobre tudo isso. Eu já disse, mais tarde nós conversamos.
Vicente
se levanta com os olhos fixos no pai.
VICENTE
— Sai!
VICTOR
— O quê?
VICENTE
— Se afasta de mim! Para de me perseguir
com essa história! Eu não quero mais isso! Eu exijo que você pare com essa loucura sem tamanho! Eu
não admito!
Vicente
SAI e fecha a porta. CAM vai buscar Victor, pensativo, que abre a gaveta de sua
mesa e retira um maço
de cigarros e um isqueiro. Acende e fuma.
CORTA
PARA:
CENA 3. INTERIOR. EMPRESA. ÁREA DE FABRICAÇÃO DE UÍSQUE — DIA
Melissa,
formalmente vestida para o trabalho, observa as máquinas trabalharem, enquanto anda com
uma caderneta e uma caneta nas mãos.
CLOSE
no rosto maravilhado dela.
MARCELO
(O.S.) — É uma maravilha, não é?
Ela
se assusta e se volta para Marcelo, também vestido apropriadamente para o trabalho.
MELISSA
(sorridente) — Ah, Marcelo, querido!
Os
dois se abraçam.
MELISSA
— Como vai?
CORTA
PARA Victor, distante dali, escondido, que observa o diálogo.
VOLTAMOS
aos dois.
MARCELO
— Tudo bem. E você?
MELISSA
— Ótima. Veio visitar o tio Victor?
MARCELO
(mentindo) — Sim, sim. Fui visitá-lo e, em seguida, decidi vir te fazer
uma surpresa. Porém
já estou de saída, já está quase na hora de ir pro hospital.
MELISSA
— Foi uma excelente surpresa, querido.
Ele
fixa os olhos nas máquinas.
Melissa faz o mesmo. Ambos continuam a conversa sem contato visual.
MARCELO
— Meu padrinho é tão futurista, não é?
Eles
riem.
MELISSA
— É, digamos que a empresa dele progrediu com o tempo. Não é pra menos, é
uma das melhores do país
no ramo de fabricação
de uísque.
Marcelo
olha para Melissa, que devolve o olhar.
MARCELO
— É... Bom... Eu acho que já vou indo.
Ele
sorri, ela também.
MELISSA
— Claro, querido, tenha um bom dia!
MARCELO
— Você também.
E sorte.
Ele
vai indo embora, mas se volta para ela.
MARCELO
— Talvez na volta...
MELISSA
— Oi?
MARCELO
— No regresso do trabalho, eu posso te
levar.
MELISSA
— Ah, não, obrigada. Eu vim de carro.
Ele
sorri, constrangido.
MARCELO
— Ah, desculpa.
MELISSA
— Imagina.
Marcelo,
então, vai embora. Melissa fica, enfeitiçada pela engenhosidade de fabricação. Começa a escrever na caderneta.
POV
DE MELISSA
Vemos
a caderneta em sua mão,
uma espécie de questionário, que Melissa trata de responder.
Ela ergue a cabeça
e dá de cara com Victor, com uma taça de uísque nas mãos.
DE
VOLTA À CENA
Melissa
se assusta, mas logo ri.
MELISSA
— Tio! Desculpa, é que... Eu acho que estou muito
nervosa, não sei. Estou tomando tanto susto!
Eles
riem.
VICTOR
— É compreensível,
uma vez que, creio eu, você
não tenha se acostumado a trabalhar aqui
somente com as máquinas.
MELISSA
— É, eu acho que os trabalhadores me faziam companhia.
VICTOR
— É, mas tínhamos
que dançar conforme a música, não é? Progredir com a tecnologia e substituir os homens por máquinas mais capacitadas... e
inteligentes, claro.
Ele
bebe o uísque.
VICTOR
(aprovando) — Hum! Está perfeito! Acredito que o uísque ficou ainda mais saboroso quando
as máquinas trataram de fazer o serviço.
Eles
riem, descontraídos.
MELISSA
— Perfeitamente.
VICTOR
— Sabe, essa era a bebida preferida do
meu amigo, Elias. Ele me disse isso uma vez. Eu achei que era pra me
impressionar, porque eu tinha uma empresa que fabricava a bebida em questão, mas... não. O cara realmente apreciava um bom uísque.
Ele
ergue a taça.
VICTOR
— Um brinde ao Elias... e a mulher, seja
lá onde eles estiverem! Nem parece que
essa tragédia aconteceu há pouco tempo. Eu ainda me encontro em êxtase, quando penso.
Instantes
em silêncio.
VICTOR
— Foi impressão minha ou você estava conversando com alguém há poucos instantes?
MELISSA
— Ah, não, era o Marcelo. Veio até aqui.
VICTOR
(entre risos) — Marcelo? Bom, ele preferiu vir te
visitar do que ir me visitar?
MELISSA
— Não, ele me disse que havia subido até sua sala. Não?
VICTOR
— Não...
Melissa
reage confusa.
VICTOR
— Minha cara sobrinha, é evidente o que meu afilhado quer. Só você que não
percebeu. Mas eu a aconselho a não dar brecha, afinal breve você se casará com o Vicente.
MELISSA
— Não, tio, eu não
dei... Eu e Marcelo somos amigos, como sempre. Moramos na mesma casa, não há nada além
disso.
VICTOR
— E quem sou eu pra duvidar de uma moça tão encantadora feito você, seguidora dos bons modos? Digo isso porque, hoje em dia,
os homens costumam confundir certos sentimentos.
MELISSA
— Eu entendi, mas não. É apenas uma saudável amizade. É o mesmo com Vicente.
VICTOR
— Não é
tão parecido, porque futuramente você e Vicente irão ultrapassar essa zona de amizade.
MELISSA
— Ah, a história do casamento! Tio... era justamente
disso que eu queria falar com o senhor. Eu acho que eu não estou preparada pra isso.
VICTOR
— Uma moça tão decidida da vida?
MELISSA
— Eu creio que o Vicente também não tem total certeza disso. A bem da verdade, não sei de onde você e minha mãe tiraram essa ideia!
VICTOR
— Sua mãe e eu, Melissa, só queremos o melhor pra você. Eu sei, eu compreendo, meu filho tem
dado terríveis deslizes ultimamente, só que...
MELISSA
(corta) — Não, não
é isso. É uma coisa mais afetiva familiar. Eu
adoro Vicente, mas não
como um futuro marido. Eu amo ele, mas como se fosse um primo ou um irmão, talvez...
VICTOR
— Eu sei, é bastante legível sua percepção de todo o caso. Eu também acho que seja uma árvore genealógica complicada, mas o fato de o sangue
de vocês dois basicamente não se cruzarem, já descomplica tudo. Se case com meu
filho. Eu garanto que você
terá uma vida perfeita.
Melissa
começa a chorar.
VICTOR
— O que foi? Fui longe demais?
MELISSA
— Não é
que... não é isso, é
que... Eu lembro, às
vezes, que o senhor e eu...
Delicadamente,
Victor põe o dedo indicador nos lábios dela, impedindo-a de continuar.
VICTOR
— Esqueça. Não foi mais que um erro do passado. Esqueça. Desculpa, eu te peço, se isso ainda insiste em atormentá-la.
Ela
enxuga as lágrimas.
VICTOR
— Olha, se você pensa que eu quero ter posse de você só porque mora na minha casa com sua mãe...
MELISSA
— Não, tio, não
é isso.
VICTOR
(continua) — ... Saiba que há tempos vocês duas se converteram em pessoas da família. Eu amo cada uma de vocês, afinal nós somos familiares.
MELISSA
— Sim, sim.
VICTOR
— Só ouça
seu coração, Melissa. Faça o que ele te pede. Até mais.
MELISSA
— Até, tio.
Victor
vai embora. Melissa fica, ainda tristonha, quando desaba a chorar em silêncio.
CORTA
PARA:
CENA 4. EXTERIOR. FACHADA DA EMPRESA — FIM DE TARDE
Victor,
com uma maleta na mão
direita, sai do prédio
e segue até seu carro, que o espera do outro lado
da rua.
É quando, inesperadamente, dois homens
de capacete em uma moto, a mil por hora, passam em sua frente e tentam puxar
sua maleta, mas Victor é
resistente e a puxa.
PLANO
ALTO e SLOW MOTION para mostrar Victor puxando a maleta das mãos do homem sentado atrás, a maleta se abrindo e vários papéis voando e, por fim, ele caindo no chão.
Os
homens não param e seguem em alta. CAM vai
buscar Vladimir, que desce do carro e vai ajudar Victor.
VLADIMIR
— Senhor Victor! Você está bem?
Ele
ajuda Victor a levantar.
VICTOR
— Sim, estou. Desgraçados! Rio de Janeiro se encontra cada
vez mais perigoso! Meu Deus!
Rapidamente,
Vladimir trata de pegar os papéis
e pôr cada um na maleta.
CLOSE
em Victor, amedrontado.
CORTA
PARA:
CENA 5. INTERIOR. HOTEL DE VICENTE.
QUARTO DE VICENTE — FIM DE TARDE
Quarto
bem organizado. Batem na porta. Vicente SAI do banheiro e vai abrir a porta. É Armani, que traz uma maleta nas mãos.
ARMANI
— Então é
aqui que você se hospeda?
VICENTE
— Doutor Armani, entre.
Armani
entra.
VICENTE
— Não é
um dos melhores lugares, mas coube no meu orçamento.
ARMANI
— Por quê, Vicente? Por que de tanto orgulho?
Você não deveria estar enfurnado em hotéis baratos, deveria estar na mansão luxuosa de seu pai.
Vicente
fecha a porta.
VICENTE
— Aquilo não é pra mim. O luxo não está
no meu sangue... literalmente.
ARMANI
— Para com isso! Você sabe que o Victor faria tudo por você.
VICENTE
— E, em troca, iria me manipular feito
um ventríloquo.
ARMANI
— Do que você está falando?
VICENTE
— Doutor Armani, eu chamei você aqui porque sei que você é o melhor amigo do meu pai, sei que ele te ouve, coisa que
ele não costuma a fazer com ninguém.
ARMANI
— Diz, meu filho. Eu não entendo.
VICENTE
— Meu pai quer que eu me case com a
Melissa, uma decisão
inesperada. Eu não
quero isso, porque eu não
a amo. Não como ele pensa, sabe?
ARMAMI
— Eu bem sei.
VICENTE
— Eu tenho outra pessoa, eu amo outra
mulher e eu acredito que é
com ela que quero viver e não
com minha meia-prima!
ARMANI
— Eu sei, meu filho. Eu te entendo. Mas,
escuta, você é um homem já
feito. Não precisa ouvir o que seu pai diz.
VICENTE
— Mas ele já tem planos pro preparatório. Acredita? Não sei nem se a pobre da Melissa sabe
disso.
ARMANI
— Você já
demonstrou interesse pela Melissa pro seu pai?
VICENTE
— Nunca! Adoro ela, brincávamos quando éramos crianças... Mas sempre foi aquela coisa
familiar, se é que me entende, como se fôssemos irmãos.
Armani
reflete uns instantes.
ARMANI
— É muito estranho ele querer preparar tudo isso pra você. Por que não diz pra ele que não deseja?
VICENTE
— Já disse, mas ele não acredita. Agora associa o fato de eu ter fracassado na
empresa como desculpa pra esse casamento. Ele diz que é uma maneira de eu me redimir com
ele... Mas por quê?
Pra quê?
ARMANI
— Estranho.
Vicente
pega nas mãos de Armani e olha no fundo de seus
olhos.
VICENTE
— Quero que o senhor me ajude a fazer
com que ele pare com essa loucura.
ARMAMI
— Mas o seu pai...
VICENTE
(corta) — Por favor, o senhor é minha última esperança contra esse
devaneio
do meu pai.
Instantes
em silêncio. Olhos nos olhos.
ARMAMI
— Não te garanto que eu vá conseguir, seu pai é muito cabeça
dura, seja lá qual for a intenção dele... Mas, além de tudo, eu posso te garantir,
conhecendo eu Victor de longa data, ele só quer o seu bem.
VICENTE
— Por favor.
Os
dois se abraçam.
ARMANI
— Eu vou tentar, querido. Eu vou tentar.
Ao
término do abraço, Armani percebe que Vicente estava
chorando.
ARMANI
— Por que você está chorando?
VICENTE
(chora) — É porque eu amo... Eu não quero desistir, eu... Nós vamos sair da cidade... E...
ARMANI
— Calma, respira. Vai lavar o rosto,
vai. E volte recomposto pra que a gente possa continuar.
Vicente
vai até o banheiro e fecha a porta. É possível ouvir ele abrir a TORNEIRA e deixar
a água cair.
CLOSE
em Armami, decidido.
CORTA
PARA:
CENA 6. INTERIOR. CASA DE ARMANI. SALA — NOITE
Caroline
está sentada no sofá ao lado de MAGDA, 42 anos, cabelos
negros, bonita, vestida de maneira comportada.
CAROLINE
— É bom trabalhar lá?
MAGDA
— Bom, digamos que sim, o senhor Victor é um ótimo patrão.
Armami
ENTRA com sua maleta e fecha a porta.
ARMANI
— Ora, ora! Visita?
Caroline
se levanta.
CAROLINE
— Sente-se, meu querido irmão. Essa é a senhora Magda, cozinheira da mansão Belmonte.
ARMANI
— Eu conheço ela perfeitamente bem, Caroline.
Lamento, mas você
não é a primeira.
Sorridente,
Armani cumprimenta Magda.
ARMANI
— Em que posso ajudá-la?
MAGDA
— Doutor Armani, queria conversar com
você, tirar algumas dúvidas...
ARMANI
— Sim, claro, venha até meu escritório.
CAROLINE
— Por que não conversam aqui?
ARMANI
— Porque, acredito, a senhora Magda
queira... privacidade. Vamos.
Magda
se levanta e segue Armani. Ambos vão para o escritório. CAM vai buscar Caroline, enraivecida.
CORTA
PARA:
CENA 7. INTERIOR. CASA DE ARMANI.
ESCRITÓRIO — NOITE
PLANO
DETALHE no relógio de parede, que marca 18:30. ÂNGULO ABRE para revelar o local,
organizado à moda antiga.
Armani
está sentado à sua mesa. Magda está sentada frente a ele, observando, hora
ou outra, o relógio.
ARMANI
— O que se passa? Está mal?
MAGDA
— Ah, sim, quer dizer.. Nem tanto. É que ultimamente venho tendo algumas
vertigens, dores de cabeça...
ARMANI
— Posso imaginar. É evidente que está trabalhando em excesso, senhora Magda.
Estou certo?
MAGDA
— Trabalho como sempre trabalhei.
ARMANI
— É que percebo uma certa palidez... Enfim, pode ser pressão.
Armani
tira da gaveta da mesa um aparelho de pressão e trata de medir a pressão de Magda.
ARMAMI
— 14! Está um pouco alta. O que anda fazendo?
Ele
retira o aparelho.
MAGDA
— Acredito que seja o estresse.
Ele
percebe a insistência
dela em olhar para o relógio.
ARMANI
— Vai a algum lugar?
MAGDA
— Oi?
ARMANI
— Se vai... É que percebo que uma hora você olha em meus olhos, outrora olha pro
relógio. Tem compromisso?
MAGDA
— Ah, não, é que o senhor bem conhece o senhor Victor. Sabe o quanto ele
é pontual. Hoje à noite há um jantar que, creio eu, o senhor foi
convidado, não?
ARMANI
— Sim, sim, pra logo mais às dezenove e meia.
MAGDA
— E preciso deixar tudo pronto. Quer
dizer... Já preparei toda a comida. Só quis vir aqui pra saber o que se passa
comigo ultimamente...
ARMANI
— A senhora diz que é estresse, é uma hipótese. Mas já pensou em gravidez?
Ela
o olha, assustada.
MAGDA
— O quê?
ARMANI
— Não se assuste. É normal.
MAGDA
— Imagina! Eu nem sequer tenho marido...
ARMANI
— Ah não?
MAGDA
— Não.
ARMAMI
— Então acredito que é um equívoco
chamá-la de senhora, senhorita.
Os
dois riem.
MAGDA
— Doutor Armami, que mal lhe pergunte, o
senhor sabe onde está
o senhor Vicente? Nunca mais o vi na mansão.
ARMAMI
— Ah, sim, está em um hotel barato no centro.
MAGDA
— Puxa! Ele e senhor Victor tiveram uma
briga outro dia lá
na mansão... Depois, não o vi mais. Achei estranho.
ARMANI
— É um homem de cabeça dura.
MAGDA
— Bom...
Ela
se levanta.
MAGDA
(continua) — Acho que já vou. Já está tarde.
ARMANI
— Olha, eu a aconselho, em seus tempos
livres, a respirar o ar livre, passear, praticar atividades físicas. Talvez o estresse se resuma a
falta de tudo isso.
MAGDA
— Obrigada, doutor. Irei me cuidar mais.
Desculpa pela inconveniência
logo agora à noite.
ARMANI
— Imagina, um bom médico atende seus pacientes em qualquer
parte do dia. Você
sabe que sou um legista, mas conhece muito do corpo e mente humana.
Magda
SAI e vai embora. Armani fica, pensativo.
ARMANI
(P/Si) — Ela está escondendo alguma coisa. Claro! Foi o
que o Vicente me disse!
CORTA
PARA:
CENA 8. INTERIOR. MANSÃO BELMONTE. QUARTO DE MARTA — NOITE
Marta
se olha no espelho, bem vestida para um jantar. Victor abre a porta e ENTRA.
MARTA
— Não bate mais?
VICTOR
(frio) — Onde está a sua filha?
MARTA
— Eu não sei. Ainda não pus nenhum GPS nela.
Victor
a pega abruptamente pelos braços
e olha em seus olhos.
VICTOR
— Eu estou falando sério! Há mais de uma hora que eu saí da empresa e não vi nem rastro da Melissa!
MARTA
— Melissa já é uma mulher, sabe bem o que quer da vida. Você não precisa ficar controlando o tempo dela.
VICTOR
(disfarça) — É
que... eu me preocupo.
Ela
ri, provocando.
MARTA
— Você disfarça
muito mal.
VICTOR
— Estou sendo sincero.
MARTA
— Então seja sincero e admita que essa sua preocupação com a Melissa não é outra coisa, além de ciúmes.
VICTOR
— Como vou ter ciúmes da minha própria sobrinha?! Melissa, pra mim, é mais que isso. É como se fosse uma filha.
MARTA
— Mas nós sabemos que você não a quer como uma filha.
Ele
a pega pelos braços.
VICTOR
— Cuidado com a ousadia!
MARTA
— Não é
disso que você gosta? De mulheres ousadas? Como a
Marina, que foi capaz de matar o próprio marido pra ficar com você.
VICTOR
— Tenha cuidado, Marta. Você não queira me ver zangado.
Ela
o empurra.
MARTA
— Você que não
queira me ver zangada! Não
sabe quem sou eu! Eu, Victor Belmonte, sei coisas suas, que ninguém sabe.
Ele
a empurra sobre a cama e bloqueia seus braços e pernas, subindo em cima dela.
VICTOR
— Você pode pagar um preço muito caro, caso abrir a boca.
MARTA
— É fácil
me manter de boca fechada. É
só saber me tratar. Você não queira ser mais do que eu, porque sabe que está mais nas minhas mãos do que qualquer outro. Lembra do que
fez com a minha filha? Agora quer tapar o sol com a peneira.
Ele
sai de cima dela, mais calmo.
MARTA
— Isso, isso. Vai ficando calminho, vai.
Aliás, não tem o porquê de perder a cabeça. Já
disse que, sabendo me tratar, estaremos conversados.
VICTOR
— Você não
sabe no que está se metendo.
Ela
levanta, raivosa.
MARTA
— Quem não sabia no que estava se metendo era
minha irmã, que se soubesse o canalha
inescrupuloso que é
o marido, jamais teria se casado. Jamais teria deixado o Vicente nas suas mãos. Olha o que você quer fazer com o garoto! Quer usá-lo como tampão pra tampar seus buracos, seu canalha!
VICTOR
— Você não
tem nada a ver com isso, porque primeiro você não
é nada pra mim. Dê-se por vencida por ter um lar pra
morar após a morte do seu marido, porque se não fosse a alma caridosa de minha
falecida esposa, você
e sua filha estariam morando debaixo da ponte.
MARTA
— Você está
enganado.
VICTOR
— Não estou e você sabe muito bem. Seu marido morreu e não deixou nada pra vocês, ele não tinha nada mesmo. Era praticamente um
zero a esquerda. Me admira tanto esse seu gênio, Marta, essa sua ganância, essa sua arrogância, sendo que você não
é nada. Nada.
MARTA
— Você também
não!
VICTOR
— Eu sou um dos homens mais respeitados
deste país. E você? É o quê?
Ela
ri.
MARTA
— Respeitado? Eu ouvi isso mesmo?
Respeitado? De que adianta?
VICTOR
— Eu acho bom você maneirar, porque lembre-se que ainda
está na minha casa. Por respeito, no meu
testamento. Mas se eu quiser te tirar da minha vida, eu te tiro.
Ela
se aproxima dele.
MARTA
— Você não
vai. Sabe por quê?
Porque sua paixão ardente pela minha filha fala mais
alto.
VICTOR
— Já falei pra você tomar cuidado. Você não
brinca comigo, Marta, não
brinca!
MARTA
— Eu não tenho medo de você, Victor. Era você quem deveria ter de mim. Canalha!
Estuprador!
Ele
dá uma bofetada nela, que a faz cair.
Ela, rapidamente, se levanta e devolve a bofetada. Victor, descontrolado,
devolve com várias bofetadas e finaliza jogando-a na
cama.
MARTA
(grita) — Covarde! Covarde!
VICTOR
— Pedi pra que você mantivesse distância, você não quis ouvir.
MARTA
— Vou te denunciar!
Ela
se levanta e parte para cima dele, mas ele consegue segurá-la.
VICTOR
— Não, você
não vai! Sabe o que você vai fazer? Procurar sua filha, trazê-la de volta pra essa casa e, juntos,
iremos todos jantar, como se fôssemos
a família mais exemplar desse país.
Ele
a solta, se volta para a porta, mas vira-se e olha para Marta.
VICTOR
— Eu acho melhor você ir logo.
Ele
SAI e vai embora.
CLOSE
em Marta, enraivecida.
MARTA
(chorando) — Vai me pagar... Vai me pagar!
CORTA
PARA:
CENA 9. INTERIOR. BAR — NOITE
DETALHE
nas mãos delicadas de Melissa sobre uma mesa.
VLADIMIR
(O. S.) — Confia em mim, meu amor.
Vladimir
põe suas duas mãos sobre as de Melissa.
ÂNGULO ABRE para mostrar Melissa,
chorosa, sentada à
uma mesa frente a Vladimir.
MELISSA
— É difícil
pra mim, sabe? Eu não
sei como... Não sei como...
VLADIMIR
— Respira. Olha pra mim.
Melissa
enxuga as lágrimas e o olha.
VLADIMIR
— Não tenha medo. Eu vou estar com você. Sempre.
O
celular de Melissa começa
a TOCAR.
Ela
procura o aparelho no bolso da calça e olha a tela.
PLANO
DETALHE na tela do aparelho, que recebe a ligação de Marta.
MELISSA
— Minha mãe.
Ela
atende.
MELISSA
(ao cel.) — Oi, mãe? (...) Por que quer saber? (...) Não, mãe, não.
(...) Não tenho que ficar dando satisfações pra ninguém, mãe, eu... (...) Te agrediu? (...) Não, sim, claro, eu entendo. Anota o
endereço.
CLOSE
no rosto curioso de Vladimir.
CORTA
PARA:
CENA 10. INTERIOR. MANSÃO BELMONTE. SALA — NOITE
Colérico, Victor desce as escadas e é surpreendido pelo mordomo, AUGUSTO, 58
anos, que sai da cozinha e ENTRA na sala.
AUGUSTO
— O jantar está devidamente pronto, senhor.
VICTOR
— E ninguém pra comê-lo. As pessoas as quais deveriam estar
aqui, não estão! E Armani? Que está pra chegar e não encontrará ninguém!
Marta,
pronta para sair, desce as escadas já falando.
MARTA
— A razão pela sua inquietude está pra finalizar, Victor. Já localizei minha filha, vou buscá-la. Sem alarde.
VICTOR
— E quem vai fazer alarde, Marta? Está enganada. Só me deixa inquieto o fato de ser quase
oito da noite e não
haver ninguém à mesa!
Ela
se aproxima dele.
MARTA
— Me admira seu gosto de querer ver, a
todo custo, a família
reunida diante de um jantar.
VICTOR
— Não é
apenas isso. Eu convidei o doutor Armani.
Ela
revira os olhos, impaciente.
MARTA
— Claro! O velho!
VICTOR
— Para de dizer besteira e volte, de
preferência, com todos que estão faltando.
Marta,
ignorando-o, abre a porta e vai embora.
O
telefone sem fio, sobre a mesa ao lado do sofá, TOCA e Augusto atende.
AUGUSTO
(ao tel.) — Mansão Belmonte. (...) Ah, sim, sim. Irei
avisá-lo. (...) Estamos aguardando o senhor.
Augusto
desliga.
VICTOR
— Armani, suponho?
AUGUSTO
— Sim, disse que já está de saída
e, daqui a pouco, já
estará aqui.
VICTOR
— Formidável. Estou precisando relaxar... Acho
que vou tomar outro banho, enquanto essas pessoas não chegam.
AUGUSTO
— Perfeitamente, senhor.
VICTOR
— Trate de esquentar a comida, caso ela
fique fria, Augusto.
Victor
sobe as escadas e vai em direção
ao seu quarto.
CORTA
PARA:
CENA 11. INTERIOR. CARRO DE MARTA — NOITE
Marta,
dirigindo, estaciona no canto da rua do bar. Ela olha para fora.
POV
DE MARTA
Vemos
Melissa e Vladimir, dentro do bar, sentados à uma mesa, ambos conversando.
DE
VOLTA À CENA
Marta
desliga o veículo e salta para fora, fechando-o e
atravessando a rua, indo em direção ao bar.
CORTA
PARA:
CENA 12. INTERIOR. BAR — NOITE
Melissa
e Vladimir à parte. Marta ENTRA.
MARTA
— Melissa, sem pestanejar, vamos embora!
MELISSA
— Mãe...
MARTA
(corta) — Não discute comigo, não dialogue comigo! Caminha!
Ela
olha para Vladimir.
MARTA
— E você, Vladimir? Saindo assim, sem mais nem
menos no meio da noite... Você
acha que o Victor não
está achando isso tudo muito estranho, não é?
VLADIMIR
— Ele, talvez, pense que eu fui atrás da Melissa...
MARTA
(estranhando) — Melissa?
Vladimir,
desconsertado, tenta se redimir.
VLADIMIR
— Ah... Desculpa... Digo, dona Melissa.
MARTA
— Eu estou tentando fechar os olhos pra
tudo isso, mesmo eu já
sabendo de cada detalhe. Sinto dizer, mas vocês dois estão brincando com fogo!
Melissa
se levanta.
MELISSA
— Por quê? Porque minha amizade com o motorista
da nossa mansão é contra às
vontades do meu tio?
MARTA
— Tanto eu e você sabemos muito bem que isso não é apenas amizade. Melissa, cuidado!
MELISSA
— Você é
igual a ele, mãe. Por isso não me choca o fato dele ter agredido você.
Melissa
dispara e vai embora. Marta segue atrás. Vladimir também.
MARTA
— Melissa!
Os
três saem do bar e vão para a...
CALÇADA, onde discutem.
VLADIMIR
— Não pode obrigá-la
a nada, senhora Marta!
MARTA
— Cala boca, Vladimir! Lembra que você é só
um motorista e nada mais?
MELISSA
— E daí se ele é só um motorista, mãe? Tem menos credibilidade porque não é um homem com atitudes de adolescente mimado? Porque não tem um pai rico pra limpar suas
burradas? Porque não
é um Vicente Belmonte?
MARTA
— Melissa, não vim aqui pra discutir com você. Anda, estamos atrasadas. Temos que
chegar antes do jantar ou o seu tio...
MELISSA
(corta) — É sempre ele, não é,
mãe?! Submissa a ele, é isso que você é! Eu queria saber o porquê...
Melissa
se volta para a rua e vai em direção ao seu veículo.
MARTA
— Melissa, espera! Eu não tenho paciência!
Melissa,
a ponto de atravessar a rua, se sente mal e quase cai no chão. Marta trata de segurá-la.
MARTA
— Filha? Meu Deus!
Vladimir
corre até as duas.
VLADIMIR
— Dona Melissa?! Ela não está bem! Está pálida!
Melissa,
se recompondo, tenta tranquilizar.
MELISSA
— Calma, calma, mãe. Eu estou bem. Foi só uma tontura, um enjoo... Passou.
MARTA
— Tem certeza? Não quer ir ao médico?
MELISSA
— Não. Eu vou pra casa. Vai no seu carro, que eu vou no meu. Vladimir
também.
Melissa
respira fundo, se solta dos braços
da mãe e vai até seu carro.
CLOSE
em Marta, preocupada.
MARTA
(P/Vladimir) — Motorista, peço que tenha cuidado. Por mais que você tente disfarçar, foi notável que você e minha filha são bem mais íntimos do que se pode ser.
Marta
vai em direção ao seu carro. CAM fica em Vladimir,
um pouco nervoso.
CORTA
PARA:
FADE OUT
FIM DO EPISÓDIO