"Conte-me seus segredos"
FADE
IN:
CENA
1. INTERIOR. MANSÃO BELMONTE. SALA DE JANTAR — NOITE
PLANO ALTO para mostrar uma mesa farta. Há um jantar.
Victor, sentado à cabeceira. Ao lado esquerdo, Marta e Armani. Ao lado direito,
Marcelo e Melissa. Eles comem, enquanto conversam.
VICTOR (p/Armani) — Vicente? Ele
falou com você?
ARMANI — Nós tivemos uma breve
conversa hoje no final da tarde.
VICTOR (enraivecido) — Cabeça dura!
Acho que a maior especialidade dele é me chatear. Como pode? Me digam! Como
pode uma pessoa ser tão cabeça dura como o Vicente?
MELISSA — Eu bem posso entender ele,
tio.
VICTOR — Não, minha querida, ninguém
entende o meu filho, nem eu mesmo.
MELISSA — Ele já é um homem. É
normal que queira agir sozinho. Tio, admita que você é um pouco possessivo com
ele.
ARMANI — Era justamente sobre isso
que eu queria falar com você, Victor.
VICTOR — Ele encheu sua cabeça, não
foi? Outro problema de Vicente é esse: não me contar o que sente. Ele prefere
falar com os outros, ouvir conselhos de outras pessoas...
ARMANI — Eu o ouvi, em consideração
a você, amigo.
VICTOR — Sim, sim, claro. Eu o
agradeço.
MARTA — Eu acho, Victor...
Victor olha para Marta com olhar de
reprovação, mas, mesmo assim, ela prossegue provocando.
MARTA (continua) — ... que a Melissa
tem razão. Você pressiona muito o filho da minha irmã.
VICTOR — Meu filho! E em razão
disso, eu conheço muito bem quem eu criei. Eu entendo que possa passar pela
cabeça de vocês que, por Vicente não ser meu filho de sangue, eu o pressiono
até não poder mais. Só que não. Quando as pessoas vão perceber que eu só quero
o bem dele? O problema, nesse caso, é que, nessa história, eu não faço papel de
vítima, e sim de vilão. Ele é que é a vítima.
ARMANI — Eu compreendo, Victor. Eu
disse pra ele. Eu te conheço também muito bem... Só tenta paciência. É, é isso.
Tenha paciência com ele.
VICTOR — Ele nem sequer quis vir ao
jantar.
MARCELO — O senhor convidou ele,
padrinho?
VICTOR (mentindo) — Claro que sim.
Não veio. Prefere, talvez, jantar em um desses barzinhos no centro, à base de
coxinha e refrigerante. Mas isso não é nada além de mais uma prova que Vicente
não passa de um homem com faculdades mentais de um adolescente mimado, que
parou no tempo.
CORTA PARA:
CENA
2. INTERIOR. APARTAMENTO DE VICENTE. SALA — NOITE
Vicente SAI do quarto e ENTRA na
sala, procurando alguma coisa. Ele olha atrás do sofá, embaixo da mesa de
centro... Parece indeciso.
VICENTE — Onde será que...
Ele volta até o...
QUARTO, onde já abre o guarda-roupas
e, na gaveta debaixo, retira um par de sapatos e os calça.
CORTA PARA:
CENA
3. INTERIOR. MANSÃO BELMONTE. COZINHA — NOITE
Magda, vestida como cozinheira,
acaba de lavar os últimos pratos sobre a pia e olha, disfarçadamente, para a
sala de jantar, onde observa a família e Armani jantarem.
Ela seca as mãos no pano sobre a
mesa e segue para o exterior da mansão, indo pela porta dos fundos.
CORTA PARA:
CENA 4. EXTERIOR. MANSÃO BELMONTE.
JARDINS — NOITE
Nervosa e decidida, Magda vai em
direção aos portões da mansão.
CAM vai buscar Augusto, distante
dali, que a observa.
CORTA PARA:
CENA
5. INTERIOR. MANSÃO. SALA — NOITE
Os mesmos da cena 1 reunidos na
sala, exceto Victor. Todos sentados, distribuídos nos dois sofás. Marta e
Armani conversam.
ARMANI — Ela era uma mulher muito
enérgica.
MARTA — Não era?! Eu conhecia a
Marina. Ainda hoje é inacreditável pensar que ela fez tamanha atrocidade.
ARMANI — É, minha querida, mas como
todos sabem, quem vê cara, não vê coração. A gente não sabe os que as pessoas
sentem.
MARTA — É uma questão bem psicológica.
CAM vai buscar Victor, que SAI da
cozinha e ENTRA na sala, fumando.
VICTOR — Armani?
ARMANI — Sim?
VICTOR — Não quero atrapalhar, mas,
por favor, poderia me acompanhar até meu escritório?
Armani, nervoso, tenta disfarçar.
ARMANI — Claro. Com licença, Marta.
MARTA — Toda.
Armani se levanta e vai em direção à
mesa de centro, que obtém sua maleta. Ele a pega e, em seguida, vai com Victor
para o escritório, subindo as escadas.
Marta olha para Melissa, exausta.
MARCELO (P/Melissa) — Algum problema,
Melissa?
MELISSA — Não, é só um mal estar. É
passageiro.
MARTA — Você sabe que eu estou
seriamente preocupada com isso, filha? Você, uma jovem tão revigorada...
MARCELO — Então já vem sentindo
vertigens há dias?
MELISSA — Nem tanto.
MARTA — O suficiente pra se
preocupar.
MELISSA — Não é nada, mãe. É...
apenas o estresse.
MARCELO (preocupado) — Espero que
seja mesmo. Com essas coisas não se pode brincar.
MELISSA — Eu agradeço a preocupação,
Marcelo, mas de fato eu estou perfeitamente bem.
MARCELO — Pois não parece.
MELISSA — Estou falando! É verdade!
Tanto é...
Ela se levanta, reagindo.
MELISSA (continua) — ... que convido
os dois a me seguirem até a sala de jogos pra que possamos jogar baralho.
Marcelo ri.
MARCELO — É, vejo que você não está
mesmo muito mal.
MELISSA — Não, eu estou falando!
Marta se levanta.
MARTA — Bom, já que veio a sugestão.
Eu bem que preciso relaxar um pouco exercitando a mente. Vamos?
Os três vão em direção à sala de
jogos.
CORTA PARA:
CENA
6. EXTERIOR. MANSÃO. PORTÕES — NOITE
POV DE AUGUSTO
Vemos Magda atravessar a rua.
DE VOLTA À CENA
Augusto, curioso, parece despertar
de um transe.
AUGUSTO — Meu Deus! O que eu estou
fazendo aqui?! Tenho que entregar a correspondência do senhor Victor, que
chegou cedo!
Ele trata de entrar na mansão pela
porta dos fundos.
CORTA PARA:
CENA
7. INTERIOR. MANSÃO. ESCRITÓRIO DE VICTOR — NOITE
Local bem organizado. Chama atenção
a mesa ao lado da porta, onde tem uma urna de vidro com vários objetos raros.
Entre eles, uma ADAGA.
Victor, sentado em sua poltrona e
fumando. Armani, sentado em outra poltrona. Um de frente para o outro. Há uma
mesa de centro no meio dos dois, onde está a maleta de Armani. A janela está
aberta, fazendo com que o vento entre.
ARMANI — Sim, Victor.
VICTOR — Eu... Bom... É difícil de
dizer.
ARMANI — Calma.
VICTOR — Eu estou te revelando tudo
isso, meu caro amigo, unicamente porque, nessa vida, não há pessoa em que eu
possa confiar mais que você.
ARMANI — Eu sei, compartilhamos
dessa amizade Leal há tempos.
Victor respira, fuma.
VICTOR — Bom... Ninguém sabe disso.
ARMANI — E nunca vão saber, porque
da minha boca não vai sair nada.
VICTOR — Eu sei, eu sei. Eu confio
em você. (respira) É sobre a Marina Ferraz.
ARMANI — A que morreu?
VICTOR — Ela mesma. Eu deveria ter
te contado antes tudo isso, mas é que... Não sei, eu não pensei.
ARMANI — Diz.
VICTOR — Eu... e Marina Ferraz...
Nós... Armani, nós éramos amantes.
CLOSE na reação surpresa de Armani.
ARMANI — Amantes?
VICTOR — É, e o pior é estar ciente
de que eu, talvez, seja a razão pela qual ela se matou!
ARMANI — Não, mas como?
VICTOR — Depois que minha esposa
morreu, deixando o Vicente pra eu cuidar, eu conheci melhor a Marina. Nós nos
tornamos muitos mais íntimos. Já éramos. O marido dela e eu éramos amigos de
infância... Eu me sinto tão culpado. Ela queria se casar comigo.
ARMANI — Mas ela já era casada!
VICTOR — Eu sei! Eu sei! Eu tenho
consciência disso! Mas ela menos parecia uma mulher ciente das consequências e
mais parecia uma jovem rebelde a ponto de fazer qualquer coisa por amor.
ARMANI — Amor?
VICENTE — Sim, porque eu a amava. E
ela também. A maior prova de amor que ela fez foi matar o marido pra se casar
comigo logo depois.
Armani, chocado.
ARMANI — Como assim matar o marido,
Victor? Quem eu bem saiba, ele se matou.
VICTOR — Não! Não! Ela planejou
tudo! E ela cometeu homicídio e, depois, fez com que parecesse suicídio. Agiu
meticulosamente. Eu confesso que... fiquei chocado com a frieza com que ela
organizou tudo. Mas também não me importei, ela estava impune. Nós começamos a
viver intensamente... Eu estava me preparando pra dizer a todos que iria me
casar com ela... Só que aí, ela se matou.
ARMANI — Mas por quê, se estavam tão
felizes?
VICTOR — Chantagem. Uma vez ela
chegou a balbuciar nas entrelinhas que estava sendo pressionada, não quis me
revelar mais nada, mas logo eu notei. Não sei se foi exatamente essa razão, mas
tenho quase certeza!
BATEM na porta.
AUGUSTO (O. S.) — Senhor Victor?
Victor se recompõe.
VICTOR — Entre, Augusto.
Augusto entra, trazendo um envelope
amarelo nas mãos.
AUGUSTO — Desculpa incomodar, não
deveria ter vindo agora. Assumo que foi um erro meu não ter vindo antes é que,
com toda a correria do dia, acabei esquecendo de entregá-lo esse envelope que
veio pro senhor.
Augusto o entrega.
VICTOR — Tudo bem. Obrigado,
Augusto.
Augusto vai indo embora, mas Victor
o para.
VICTOR — E, ah! Antes de ir, por
favor, está uma ventania! Poderia fechar a janela pra mim?
ARMANI — Imagina, não se preocupe,
Augusto. Isso está me incomodando há algum tempo. Eu mesmo fecho.
Augusto vai embora. Armani trata de
fechar a janela e se sentar.
ARMANI — Quando mais rápido ele
fosse embora, melhor.
Victor abre o envelope.
PLANO DETALHE nos olhos dele,
surpreso.
VICTOR — Não pode ser!
ARMANI — O que é?
VICTOR — Não! Não! É um bilhete
escrito à mão. É a letra de Marina!
ARMANI — Uma correspondência vinda
de Marina! Mas ela está morta!
VICTOR — Pode ter enviado antes de
morrer. Veio dos correios. Correios demoram.
Ele acha algo no interior do
envelope e o retira. É um pen-drive.
VICTOR — Um pen-drive!
ARMANI — O que será?
Victor olha para o seu notebook,
distante dos dois, sobre a mesa ao lado da janela.
VICTOR — Não sei, isso é muito
estranho, mas... Armani, por favor, eu sei que parece muito inoportuno eu
chamá-lo e, depois, fazer desfeita à sua presença, mas... Você poderia se
retirar?
ARMANI — Como?
VICTOR — Não sei. O bilhete diz
perfeitamente que nesse pen-drive há a verdade de tudo. Verdade, suponho eu,
que revela quem era o desgraçado que estava chantageando a Marina, o que levou
a fazer o que fez: se matar. Alguém que, além de mim, sabia que ela havia
matado o marido.
ARMANI — Eu entendo, eu entendo. É
compreensível. Bom, então já estou indo.
Ele se levanta, pega a maleta.
ARMANI — Desculpe.
Armani pega sua maleta sobre a mesa
de centro. Vai indo embora, mas hesita.
ARMANI — Tem certeza? Nós podemos
conversar...
VICTOR — Por favor. Se é pra eu
descobrir o que tenho pra descobrir, que seja sozinho.
CAM sai de Armani, em pé, que se
volta para a porta, e vai para Victor, sentado na poltrona com o envelope nas
mãos, decidido.
CLOSE em Victor.
CORTA PARA:
CENA
8. INTERIOR. MANSÃO. CORREDOR — NOITE
Armani, trazendo a maleta, dá de
cara com Augusto, que ia em direção ao escritório.
AUGUSTO — Já ia perguntar a vocês se
queriam um chá ou algo do tipo.
ARMANI — Não, Victor está ocupado
agora. Ele não quer ser interrompido por ninguém, creio eu.
Armani vai embora, deixando o
mordomo.
CLOSE em Augusto, amedrontado,
decidido.
CORTA PARA:
CENA
9. INTERIOR. MANSÃO. SALA DE JOGOS — NOITE
Marcelo, Marta e Melissa à mesa de
jogos. Ambos jogam baralho.
MELISSA — Desculpem por interromper,
mas preciso ir ao banheiro.
MARTA — Está passando mal?
MELISSA — Não, não. Vou ao banheiro
e já volto.
Melissa SAI da sala.
CLOSES alternados entre Marcelo e
Marta, que se olham, decididos.
CORTA PARA:
CENA
10. EXTERIOR. JARDINS. MANSÃO BELMONTE — NOITE
Nesta cena, só temos o ponto de
vista do assassino, que está todo de preto, sapatos de VICENTE e luvas.
POV DO ASSASSINO
Ele segue pelos jardins, indo até a
janela do escritório de Victor, que está fechada, porém de luz acesa. Ele pisa
em uma poça de lama e segue deixando pegadas. Estende os dois braços para abrir
a janela, que estava apenas encostada e, em seguida, pula para dentro, para a
surpresa de Victor, que assistia a gravação em seu notebook (que está em seu
colo), sentado em sua poltrona.
VICTOR (levantando-se) — O que você
está fazendo aqui? Não ouviu que...
Antes de finalizar, o assassino saca
uma adaga do bolso e crava na barriga de Victor. Finaliza sentando o cadáver na
poltrona, com a adaga na mesma posição. Vai até o aparelho de som (que é
decorado com um pano em cima) saca um CD de dentro e insere no aparelho. Por
fim, puxa o pano para que impeça a visualização do CD a rodar.
De repente, o som do aparelho revela
a voz de Victor, em uma gravação.
VICTOR (gravação do CD) — Não era o que eu imaginava. Vicente está
sendo muito rebelde...
A gravação continua. Ele vai embora
e fecha a janela.
CAM não o segue.
DE VOLTA À CENA
CAM fica em Victor, morto, na
poltrona, com a adaga na barriga, ensanguentado.
FADE OUT
FIM DO EPISÓDIO